Uma luz que se apaga
Ontem a Dona A. faleceu.
O seu corpo físico seguiu o caminho do seu corpo espiritual, que já tinha desistido da luta há algum tempo atrás, a partir do momento em que um médico sem moderação lhe disse que um cancro a comia por dentro e nada mais havia a fazer.
Recebi a notícia quando ia a caminho do hospital para a visitar.
Sabia que o seu estado de saúde se tinha deteriorado bastante, já não falava e apenas se exprimia com gemidos. Mas gostava de ter estado ao pé dela, de lhe dar um beijo na testa e lhe agarrar a mão, dando-lhe forças para que ela não tivesse medo da passagem para o lado de lá.
O destino trocou-me as voltas e eu fiquei de mãos vazias, sabendo que nunca mais iria estar com ela fisicamente.
Uma dicotomia sentimental apoderou-se de mim. A tristeza da impotência da minha humanidade e um vergonhoso alívio por não ter estado perante o último suspiro dela, que me teria ficado gravado na mente de forma ainda mais dolorosa do que aquela que eu imagino.
Hoje foi o velório, e chorei, mais por dentro do que por fora. E percebi que quanto mais os anos passam mais tragicamente me vejo despido de muralhas para lidar com a dor e com o sofrimento.
Abracei a filha da Dona A. com todo o calor do meu abraço.
Porque é que nos esquecemos que todos precisamos de sentir o calor de um aperto não apenas quando a tristeza nos entra pela porta? Temos medo de demonstrar sentimentos quando estamos bem para percebermos num instante esquecido que quando o infortúnio nos assola somos mais unidos do que separados.
Ouvi muitos a dizer que pelo menos ela já não sofria.
Mas que feitiço tem o sofrimento para se passar de uma pessoa para uma mão cheia de outras? Porque com o fim do sofrimento da Dona A. veio a dor eterna de todos aqueles que gostavam dela e cuja ausência vai fazer doer o coração.
O tempo alivia a dor, mas há sempre uma picada que nos lembra que estamos mais sós do que quando começámos.
Escrevo estas palavras com os olhos marejados, e num esforço de lucidez tento lembrar-me das únicas palavras que consegui pronunciar numa tentativa de reconfortar a filha de uma mulher especial.
Não é um Adeus, é um Até Breve.