Goiabada
Tínhamos feito novamente amor.
Poderia dizer que tínhamos feito sexo mas com ele as coisas eram tão melancolicamente calmas que a palavra sexo conotava-se duma agressividade que não fazia jus aos nossos movimentos ritmadamente lentos. No sofá cama ao som da música de algum templo budista os nossos corpos transpirados uniam-se durante longos minutos.
Era o nosso quarto ou quinto encontro, não sabia bem ao certo.
Depois de tomarmos banho sentámos-nos na frugal mesa da cozinha e ele serviu-me um café acompanhado de tostas e goiabada.
Como eu gostava de goiabada. Como eu gostava dele.
Tenho uma coisa para te dizer.
Franzi a testa. Parte de mim achava que era demasiado cedo para uma declaração daquelas. A outra parte ansiava que ele pronunciasse uma palavra tão simples mas capaz de mudar o destino de alguém.
Sou HIV positivo.
Olhei-o nos olhos. Vi o medo, a tristeza, o sofrimento, a angústia. Comi mais uma fatia de goiabada.
E então? - perguntei enquanto lambia o doce dos dedos.
Não te importas? - havia alguma incredulidade na sua voz, como se não acreditasse no som que tinha chegado aos seus ouvidos.
Porque haveria de me importar? - respondi-lhe com a maior franqueza possível. Se tivesses colesterol elevado ou hipertensão importar-me-ia?
Levantei-me e dei-lhe um beijo. Senti o corpo dele estremecer quando os nossos lábios trocaram partículas de saliva.
Hoje tantos anos depois olho para trás e percebo que não foi um vírus que nos impediu de sermos felizes.
Foi somente o facto de ele nunca ter conseguido dizer a palavra Amo-te.