A Nossa Responsabilidade Virtual
Antigamente, quando não existia Internet, as pessoas ficavam nas suas caves a destilar ódio contra a sociedade sozinhas.
Hoje em dia, com a facilidade de comunicação que a tecnologia nos trouxe, é mais fácil para essas pessoas rancorosas encontrarem outras, organizarem-se e criarem verdadeiros festivais de ódio virtuais.
Todos nós temos direito à nossa opinião, a liberdade de expressão é sim um direito, mas onde é que está a nossa responsabilidade virtual?
A partir de que momento é que começámos a considerar aceitável a utilização do insulto nas redes sociais ou em qualquer outro fórum?
O discurso de ódio, contra minorias, maiorias ou pessoas singulares parece que se tornou algo banal - é quase normal uma pessoa emitir uma opinião pejorativa contra alguém apenas porque lhe apetece, ou simplesmente porque outras pessoas o fizeram, e assim o efeito de grupo acaba por escudar a fragilidade individual de quem escreve protegido por um monitor.
Mas se na vida real, aquela onde tropeçamos nas pedras da calçada e temos de correr para apanhar o comboio, a maioria se abstém de proferir alarvidades fonéticas, porque é que quando emergem no ecrã de um smartphone, ou de um tablet, se transformam?
Antes o álcool era a coragem líquida, agora parece ser a tecnologia a fonte dessa bravura, que torna as pessoas numa espécie de touros enraivecidos prontos a atacar um pano vermelho.
Pessoalmente, acho que para muita gente, a transição tecnológica foi feita com demasiada rapidez, o que impossibilitou o desenvolvimento da responsabilidade virtual, uma espécie de ética de circuitos e chips.
Se na rua alguém ofender outra pessoa cara a cara, talvez se habilite a levar uma resposta menos simpática ou mesmo um afago facial com mais força.
Mas na Internet, a não ser que rastreiem o nosso IP, estamos seguros para dizer o que quisermos, para ofendermos o quanto nos apetecer. E não percebemos que do outro lado do monitor existe alguém real.
Não é um holograma, não é uma inteligência artificial, é uma pessoa de carne e osso que lê as nossas palavras. E que as sente. E normalmente quem escreve "liberta-se", quem lê fica marcado.
Escrevi este post depois de ontem ter feito uma maratona a ver Black Mirror.
Para mim uma das melhores séries que já vi, primeiro porque os episódios são todos desconectados, ou seja, não é preciso ver por ordem. Segundo, faz-nos pensar.
Pensar em como é que a tecnologia está a avançar mas nós enquanto seres humanos continuamos tão básicos, tão rudimentares, tão pequeninos.
Atrevo-me a dizer que regredimos à mesma velocidade que a tecnologia avança.
Em vez de estarmos cada vez mais em contacto com a nossa parte espiritual, a desenvolver a nossa ligação energética com os outros seres humanos, perdemos o nosso humanismo ao sabor das redes wi-fi, enquanto olhamos apenas para o nosso umbigo e nem nos apercebemos que já não somos indivíduos, somos apenas mais um acéfalo comandado por uma ligação virtual.